O canário Amarelinho gostava muito da paisagem
que via da varanda onde se encontrava. O céu azul desenhava-se por trás do
telhado que ficava em frente. As antenas de televisão pareciam dançar quando o
vento andava mais nervoso. Amarelinho soltava os seus alegres trinados quando o
gato preto da senhora Madalena passeava no beiral do telhado. As flores da
varanda também o distraíam porque eram lindas. Havia petúnias, flores do
meio-dia, alegrias da casa e sardinheiras.
A sua dona, a senhora Adelaide, regava-as
todas as manhãs. Enchia o regador de plástico verde e ia e vinha tantas as
vezes, quantas as necessárias. Era uma azáfama da cozinha para a varanda, da
varanda para a cozinha, da cozinha para a varanda da....até o Amarelinho ficar
com a cabeça tonta. Mas era engraçado aquele vaivém da senhora Adelaide.
Quando o sol não está muito quente a senhora Adelaide senta-se na
cadeira de praia e crocheta rendinhas em panos da loiça. Panos muito coloridos:
amarelos, verdes, vermelhos, aos quadrados, às riscas, às flores…
A sua dona, a senhora Adelaide, regava-as todas as manhãs.
O que ele mais admirava era o fim do dia! Sim,
antes da senhora Adelaide tapar a gaiola conseguia admirar o pôr-do-sol! Àquela
hora, uma mão invisível dava grandes pinceladas em tons de amarelo e laranja
sobre os telhados!
Nunca saíra da gaiola, nunca conhecera mais
nada além daquilo que via todas as manhãs. Aquela varanda era o seu mundo, a
sua alegria. E envaidecia-se com o carinho que a senhora Adelaide demonstrava
por ele.
Certo dia estava o canário Amarelinho, mais
uma vez, a olhar para o gato da vizinha Madalena que passeava dengoso na beiral
do telhado em frente quando surgiu, não se sabe de onde, um animal esvoaçante
muito bonito.
Amarelinho ficou deslumbrado.
Sobrevoava de flor em flor batendo suavemente as asas doiradas de riscas
pretas, muito finas. Era realmente um espectáculo! Amarelinho ficou de boca
aberta, ou por outra, de bico aberto.
Quem...és tu? – Perguntou curioso.
O estranho animal parou, ficando
suspenso no ar:
- Eu sou a borboleta Doirada! Que estás a
fazer aí dentro?
- É uma gaiola…a
minha casa… – respondeu Amarelinho.
- O quê? A tua
casa!? Mais parece uma prisão.
- Prisão!? O que
é isso?
- Prisão é um
sítio de onde não se pode sair. Nunca saíste dessa caixa…?
- Não, não
conheço nada para além do que vejo todos os dias.
- Que esquisito…
Então, não conheces outras aves, não voas?
- Não…Mas gosto
muito da minha dona…
- Como é
possível haver um pássaro que não conhece este mundo maravilhoso? Assim, nunca
serás feliz! Eu posso voar sobre as flores silvestres e sobre as árvores e
beber água fresca nos ribeiros.
Amarelinho ficou pensativo. Voar sobre
as flores e as árvores deveria ser maravilhoso. Nunca tinha pensado nisso.
- Vou ajudar-te
a conhecer o mundo! – Disse a borboleta Doirada.
- Como? – Perguntou
o canário surpreendido.
- Eu sou a borboleta Doirada! Que estás a fazer aí dentro?
- Vou tentar
abrir a gaiola.
Doirada pensou, pensou, mas não lhe
ocorria nenhuma ideia. Como poderia uma simples borboleta abrir uma gaiola? Era
muito levezinha e não tinha força suficiente para abrir a pequena tranca de
arame. Mas tudo é possível entre amigos e a borboleta Doirada já sentia uma
grande amizade pelo canário Amarelinho.
-Já sei! – Quase
gritou – Amanhã, quando a tua dona vier dar-te água fresca eu vou distrai-la
com o meu voo e tu aproveitas a oportunidade para fugir!
Amarelinho ficou entusiasmado. Não tinha muita
certeza de que as coisas corressem tão facilmente, mas não custava nada tentar.
Combinaram tudo muito bem, acertando
todos os pormenores.
Doirada voltaria no dia seguinte, à hora em
que a senhora Adelaide mudasse a água ao Amarelinho.
Naquela noite, Amarelinho pensou na
aventura que o esperava lá fora, nos lugares nunca vistos e que o iriam
encantar, principalmente na maravilha de poder voar em liberdade.
Mas, entristecia-o o facto de deixar a
senhora Adelaide! Era uma boa dona. Por vezes até o tratava por “meu passarinho
lindo”, que é um termo que Amarelinho adorava ouvir. Todas as noites cobria a
gaiola com um pano de lã para ele não ter frio e, por vezes, entalava nas grades
uma rodela de maçã, petisco que adorava.
Custava-lhe
deixar a senhora Adelaide sozinha. Tinha enviuvado há muitos anos e os filhos
estavam no estrangeiro. Já nascera um netinho que ainda nem conhecia. Havia
fotografias dos filhos e do neto espalhadas pela casa. Muitas vezes ficava
parada a olhar as fotografias, enquanto as lágrimas lhe corriam pelo rosto envelhecido.
E quando se senta a crochetar as rendinhas, fala dos filhos e do neto como se
Amarelinho lhe pudesse responder. Além do mais, conseguiria voar? Nunca voara.
E, por certo seria apanhado por um animal qualquer que encontrasse no caminho,
isto se o gato da senhora Madalena não o apanhasse primeiro…
Perante tudo isto, como arranjaria
coragem para abandonar a senhora Adelaide?
- É difícil
tomar uma decisão… – pensou – Se por um lado, desejo ardentemente conhecer o
mundo, por outro, gosto muito da senhora Adelaide…
O sol já espreitava por trás do telhado em
frente, quando Amarelinho conseguiu adormecer.
Acordou com o ruído esvoaçante da
borboleta Doirada ao redor da gaiola.
- Então, estás
preparado para fugir?- perguntou ela através do pano sobre a gaiola.
- Si…siiimm….
Doirada voou para uma sardinheira rosa
que florescia perto da gaiola.
De dentro soaram os passos da senhora
Adelaide no chão da cozinha.
- Bom dia, meu
passarinho lindo! – Saudou ela enquanto retirava o pano de lã que cobria a
gaiola.
Quando a senhora Adelaide abriu a
pequenina porta para retirar o bebedouro, a borboleta Doirada esvoaçou com
ímpeto ao redor do seu rosto.
- Ui, que é
isto? – Exclamou a senhora Adelaide enquanto tentava afastar com as mãos aquele
bicharoco.
O gato preto da vizinha Madalena lá estava, no cimo do telhado, pavoneando-se com o rabo alçado.
-Depressa
Amarelinho! Sai agora! Depressa!
Amarelinho escondeu o bico sob a asa
sem saber que fazer. Pensou que ser livre é muito importante! Mas dar alegria a
uma velhota que vive sozinha, também o é! Que faria lá fora se não estava
preparado para os perigos do mundo? Que salvação teria frente ao gato da
vizinha Madalena? Aqui, no seu cantinho, tinha tudo de que necessitava: comida,
água, uma paisagem deslumbrante e, acima de tudo, o carinho e a dedicação da
sua dona que, sem ele, não teria ninguém para conversar. Era este o seu mundo.
Era ali que se sentia bem.
- Não. Não vou. – Respondeu Amarelinho
com firmeza.
Doirada não esperava aquela resposta
do Amarelinho. Escolher a gaiola em vez da liberdade!?
- Realmente, há
gostos para tudo. – Pensou ela.
- Ah, afinal é
uma linda borboleta que me assustou. – Exclamou a senhora Adelaide – Amarelinho,
repara como é bonita.
- Adeus
Amarelinho. – Disse a borboleta Doirada – Tomaste a tua decisão e eu
respeito-a. Mas se não te importares virei visitar-te de vez em quando para te
contar as minhas aventuras.
-Terei muito
prazer em ouvir as tuas histórias. – Respondeu Amarelinho – Vem quando
quiseres.
- Adeus. Chegou
a hora de partir. Até qualquer dia.
E voando airosamente abandonou a varanda.
Entretanto, a senhora Adelaide abrira
a cadeira de praia e, sentara-se a crochetar um paninho cor do sol.
- …. Uma
laçada…duas malhas de cordão…uma laçada…Ah, como o dia está bonito…! E as
minhas flores estão cada dia mais bonitas, tão bonitas que até as borboletas já
as procuram…uma laçada…duas malhas de cordão…uma laçada…
O gato preto da vizinha Madalena lá estava, no
cimo do telhado, pavoneando-se com o rabo alçado.
- Sabes, meu
passarinho lindo hoje é o dia dos anos do meu neto. Faz três anos.
E a senhora Adelaide olhou para
Amarelinho mostrando um sorriso de felicidade. Amarelinho soltou um dos seus
trinados mais bonitos como a agradecer a amizade que a senhora Adelaide demonstrava por ele.
Eugénia Edviges
Um grande
XI-
