Na Rua do Pinheiro

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O Fato do Pai Natal




O Pai Natal sentou-se no sofá da sua acolhedora sala. Estava cansado. A noite de Natal aproximava-se e ele andara toda aquela semana a verificar se na fábrica tudo corria bem. Não queria que faltasse nenhum presente para as crianças. Os seus assistentes duendes tinham trabalhado noite e dia para que os presentes estivessem acabados no dia vinte e quatro de Dezembro.
            O seu assistente – secretário, o duende Bikudo, entrou na sala e disse:
- Pai Natal, deveria vestir o seu fato. Tenho receio que precise de uns remendos.
- O quê!? Remendos!? Um fato com tão poucos anos!
- Acho só que está um pouco mais…velho.
- Sim, deve estar um pouco mais velho mas ainda irá durar uns anitos, talvez até à minha reforma. Mas vai, vai buscar o fato porque pode precisar de uma escovadela. E traz também as botas.
            BiKudo saiu. O Pai Natal ficou a pensar no assunto. Realmente, já tinha aquele fato há uns anos. Está claro que se estraga por causa das chaminés. Pensando bem, talvez esteja na altura de começar a entrar pelas janelas.
- Mas não – pensou ele – O fato ainda está muito bom.

            Bikudo voltou com um carrinho de mão onde trazia o fato do Pai Natal, as botas e o grande saco vermelho dos presentes. Colocou tudo em cima do sofá para que o Pai Natal pudesse apreciar melhor.
            Quando o Pai Natal olhou para o que estava ali ao seu lado abriu os olhos de espanto.

O casaco perdera a cor
Por ter sido tão lavado
Não era vermelho vivo
Mas vermelho desmaiado

As calças estavam tão gastas
Tão cheias de remendinhos
Que nada havia a fazer
Para durar mais uns aninhos

Do gorro já nem se fala.
Tão velho que até doía
Por muito que lhe custasse
Só o lixo merecia


E deu por si a pensar
Olhando triste para o saco
Se o usasse, perderia
As prendas pelo buraco

As botas talvez durassem,
Com certeza, mais um ano
Se as solas estivessem boas
E não lhes faltasse um cano.

            O Pai Natal coçou as barbas, pensativo. Verdade, verdadinha, aquele fato já não estava capaz de ser usado. Mas nem pensar em comprar outro.
- Bikudo, dá uma escovadela no fato e põe um pouco de graxa nas botas. Ficarão como novos.
- Mas Pai Natal isso não está certo. É uma vergonha! É uma pessoa tão conhecida e admirada por todos e vai usar um fato e umas botas miseráveis?
- Para o ano que vem será outra coisa. Despacha-te, porque faltam apenas dois dias para o Natal e eu não quero atrasar-me. Temos de preparar tudo para que, nessa noite, todas as crianças tenham os presentes que pediram nas suas cartas.
- Pois bem, Pai Natal! É esta a minha resolução: Não escovarei o fato nem engraxarei as botas!
- Ho! Ho! Ho! O quê? Estás tu a dizer?
            Bikudo, com os braços cruzados sobre o peito, de expressão decidida, continuou:
- Recuso-me a escovar e a engraxar aquele fato e aquelas botas.
- Está bem. Vou pedir a um duende da fábrica que me preste esse serviço. Chama-os para eu falar com eles. Ho! Ho! Ho!
             Bikudo foi à janela e chamou todos os duendes pelos seus complicados nomes:
- Zirikasto! Alkavar! Ketrevusk! Pataslek! Glugakir! Gatelek! Bujakar! Stufikur! Sikermate! Venham cá todos! O Pai Natal quer falar convosco.
            Passado pouco tempo todos os duendes entravam na sala. Tinham estado a embrulhar os presentes para depois os colocarem no trenó.
- Sentem-se – Pediu o Pai Natal – devem estar cansados.
             Alguns sentaram-se no chão frente ao Pai Natal e outros empoleiraram-se nas costas do sofá. Bikudo ficou de pé, ansioso pela resposta que os duendes dariam ao Pai Natal.
- Ora bem, meus queridos ajudantes! Qual de vocês poderá fazer -me o favor de engraxar as botas e escovar o fato?
            Os duendes olharam uns para os outros, sorrindo de malícia. E responderam em coro.

Escovar aquele fato?
E as botas engraxar?
Por muito bem que se escovem
Melhores, não vão ficar.

Estão velhos e sem graça
Devia dar-lhes sumiço
É escusado pedir
Não queremos fazer isso.

E se insiste em levar
Esse fato que odiamos
Não embrulhamos os presentes
Nem o trenó, carregamos!

            O Pai Natal ficou apreensivo. Estava ali um grande problema… Paciência! Teria de usar o fato e as botas tal e qual como estavam. Para o ano logo se veria. O pior é que faltava ainda acabar os embrulhos e carregar o trenó. Compreendia que os duendes estavam muito cansados de tanto trabalharem na fábrica e, por isso, ele mesmo iria ultimar os preparativos.
- Está bem. Fiquem a descansar aqui na sala que eu vou para a fábrica terminar o trabalho. Têm a melhor das intenções mas também sei que estão a precisar de uma noite de descanso. Até logo! Ho! Ho! Ho!
            Levantou-se. Dirigia-se para a saída quando à janela apareceu a rena Rodolfo, a rena do nariz vermelho. Meteu a cabeça entre as portadas de madeira e disse:
- Estou aqui em nome de todas as outras oito renas. Elas mandam dizer o seguinte:

Se for usar esse fato
E as botas cheias de pó
Pode crer no que lhe digo:
Não puxaremos o trenó.

As crianças irão chorar
O Pai Natal chorará também
E ficarão os presentes
Fechados no armazém.

- Agora é que a coisa está feia! – Pensou o Pai Natal - Se as renas não puxarem o trenó e voarem pelos telhados, como é que eu poderei chegar às chaminés?
- Oh, minha renazinha Rodolfo! Por favor, pede às tuas amigas que não façam isso! Eu tenho de entregar os presentes.
- Entrega-as, mas com um fato e umas botas novas… - respondeu Rodolfo.
- Mas apenas faltam dois dias. Onde arranjarei uma costureira e um sapateiro nesta altura do ano? E teria ainda de comprar tecido e cabedal!
- Lembras-te do ano em que uns meninos de uma escola pediram fatos iguais ao teu para fazerem uma peça de teatro? Nós fizemos os fatos e as botas mas sobrou muito material que está no armazém. – Explicou o duende Zirikasto.
            A rena Rodolfo, que continuava à janela, acrescentou:
- Os duendes serão os costureiros e os sapateiros. Terás uma fatiota nova rapidamente.
- Mas vocês estão fartos de trabalhar…
- Mais um dia ou dois não é nada para nós… - disse o duende Gatelek.
            O Pai Natal já não sabia o que havia de argumentar. Os malandros dos duendes e da rena tinham resposta para tudo.
- Está bem! – Disse o Pai Natal com um encolher de ombros – Façam o que quiserem mas, por favor dia vinte e quatro de Dezembro, ou seja, depois de amanhã, tem de estar tudo pronto para eu poder entregar os presentes.
- Estará prontíssimo! - Exclamaram os duendes em coro.
- Vamos começar por tirar as medidas. – Disse o duende Bujakar tirando a fita métrica do cesto da costura. 

            Glugakir e Pataslek foram buscar um banco que estava atrás da porta da sala e colocaram-no perto do Pai Natal. Bujakar subiu para o banco segurando a fita métrica.
            Juntou a ponta da fita ao ombro do Pai Natal e deixou-a cair sobre o peito.
- Vejam quanto mede a altura do peito. – Pediu Bujakar para os duendes que estavam no chão.
            E continuaram, medindo a altura do braço e a largura das costas. Depois Bujakar desceu do banco para medir a cintura e a altura das calças.
            Sikermate apontava todas as medidas no seu caderno de notas.

- Já está. – Afirmou Bujakar – Agora, vamos para a fábrica tratar da execução do resto…
- Até amanhã Pai Natal! – Despediram-se os duendes.
- Até amanhã Pai Natal – Despediu-se a rena Rodolfo.
            O Pai Natal sentou-se no sofá muito preocupado. Se os duendes não conseguissem acabar o fato a tempo ficaria muito triste. Pela primeira vez, as crianças não teriam Natal com presentes.
- Não se preocupe Pai Natal – disse o assistente-secretário Bikudo – os duendes trabalham bem e depressa. Dia vinte e quatro terá o seu fato novo.

            BiKudo tinha razão. Na tarde do dia vinte e quatro os duendes apareceram, radiantes, à porta da sala. Tinham conseguido fazer todo o trabalho, incluindo o carregamento do trenó.
            O Pai Natal sorriu de contentamento ao apreciar o trabalho dos duendes: o vermelho do fato, do gorro e do saco era lindíssimo; as orlas, feitas de lã, pareciam orlas de neve; as botas, de cabedal preto, brilhavam intensamente. E não faltava o cinto com uma grande fivela doirada e até umas luvas brancas a condizer com as orlas!
- Pai Natal é melhor vestir-se. - Lembrou Bikudo – Está a escurecer. 
            O Pai Natal assim fez. O fato ficava-lhe muito bem.

- Está maravilhoso! – Exclamou, admirando-se ao espelho - Vocês são, realmente, uns bons ajudantes! Que seria de mim se não os tivesse comigo.
             Uma lagrimazinha desceu pela face do Pai Natal! Os duendes, ao verem aquilo, também se emocionaram.
- Bem…Bem… - sussurrou o assistente-secretário, o duende BiKudo – não devemos atrasar o Pai Natal. Está na hora de ele partir.
            As renas já estavam atreladas ao trenó prontas para seguir viagem. O Pai Natal subiu para o assento e, agarrando nas rédeas, gritou feliz:
- Força! Voemos em direcção às chaminés de todas as crianças.
            Os duendes ficaram a ver o Pai Natal seguir em direcção à noite escura. A luz da lua recortava a sua sombra e a sua voz ecoou na escuridão:
- Crianças, o Pai Natal vai chegar! Ho! Ho! Ho! Ho! 

                                                                                        Eugénia Edviges

 Um alegre Natal para todas as crianças que visitam o meu blogue. AH! E não podia esquecer: 

Um grande XI-    

terça-feira, 22 de novembro de 2011

O Seu Único Barquinho - Fernando Cardoso

Este poema está incluído no livro "Novas Flores Para Crianças" ( 5ª Edição). O texto é de Fernando Cardoso e a ilustração é de Maria João Lopes

O barquinho de cortiça
já está pronto e está bonito
foi o menino que fez.
vai deitá-lo à beira mar
p`ra que uma onda o leve
na dúbia primeira vez.

pôs-lhe um nome, uma bandeira,
beijou-o à despedida
e acenou-lhe com a mão.
Viu-o partir tão contente
até perdê-lo de vista
no mar da sua ilusão.

Mas não voltou o barquinho
e o menino ficou triste
a chorar junto do mar.
Porém, logo outro menino
perguntou-lhe intrigado
porque estava ele a chorar.

E quando soube o motivo
entre soluços lhe disse:
- "Não chores, nessa preguiça,
não há razão para isso.
Faz antes outro barquinho
que eu dou-te a minha cortiça."

"Eu  é que tenho razão
para chorar toda a vida,
pois foi neste mar também
que eu perdi o meu barquinho,
o meu único barquinho,
a que eu chamava Mãe..."


Um grande XI-    

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Histórias da Rua do Pinheiro - III Capítulo

 Aqui vai a publicação do III Capítulo das histórias da Rua do Pinheiro.
As ilustrações são....são....claro! do Zé Lima!
A história tradicional já a publiquei no blogue.Portanto, já a conhecem, mas é sempre bom reler.

                           E melhorou! Hoje, depois de falarmos sobre o teste de Ciências, que correu mal a todos, e nos preparávamos para ir jogar ao Lenço, eis que a senhora Eulália, surgiu à porta da rua. A filha seguia-a, segurando uma cadeira para se sentar. Como sempre, muito bem arranjada, com a sua saia preta, franzida, sem um vinco. No alto da cabeça o tradicional lenço, atado ao pescoço.
                           Corremos ao seu encontro, loucos de alegria.
- Ó vizinha, o seu neto está longe, mas rapazes pequenos não lhe
 falta... Gostam mesmo de si... – referiu a senhora Amélia, sentada à porta da sua casa. Dobrava roupa que tinha acabado de apanhar do estendal.
                           A senhora Eulália riu-se, mostrando a boca sem dentes.
- Vocês já jantaram? – perguntou – Já passa das nove...
              Está claro que já tínhamos jantado. Só vamos brincar para a rua depois da barriga cheia.
- “Quelemos” uma “histólia”  “senhola” Eulália... – pediu a Rosita dando saltinhos no chão.
- Sim, eu não me importo de lhes contar uma história, mas primeiro vou descansar um pouco, vendo-os brincar...
               E fomos brincar ao “Lenço”, como estava previsto.
               Eu vou explicar como é.
               Fazemos uma roda, dando as mãos uns aos outros. Um, fica de fora segurando um lenço na mão (a senhora Eulália empresta-nos sempre o dela). O que fica de fora, corre ao redor dos outros, gritando:                   

                            “Aqui vai o lenço, aqui fica o lenço,
                              Aqui vai o lenço, aqui fica o lenço...”

                Quando quiser, o que leva o lenço, deixa-o cair  no chão, atrás de um dos que estão na roda. Se depois de dar uma volta completa, o que tem o lenço atrás de si não o vir caído no chão, o dono do lenço empurra-o para o centro da roda para ficar de “castigo”. Se pelo contrário ele descobrir o lenço, agarra-o e continua o novo possuidor do lenço a correr ao redor, enquanto o colega vai para o lugar dele. Por isso mesmo, todos os que estão na roda, têm que estar sempre a olhar para trás, mas através das pernas, que se mantém abertas.
               É um jogo muito fixe! Rimo-nos a valer, quando algum é apanhado e vai para o centro de “castigo”. A senhora Eulália, quando vê que fazemos algo mal feito, explica-nos como devemos fazer... Aliás, ela é que nos ensinou todas as brincadeiras que sabemos!
               Hoje, ficaram de “castigo” o Eduardo, o Fernando e a Rita.
               Quem ficou mais tempo com o lenço foi o Lingrinhas. Como é magrinho, corre mais depressa e consegue apanhar o lenço, antes do que irá ser castigado. Está claro que o Fernando, que tem a mania do contra, fartou-se de gritar: “És um “granda” batoteiro! Assim não vale...”
- Não é “granda”é “grande” – respondi eu.
- Não é “granda”, não é “granda”... Falou a Dona Teresa Espertalhona.
                Estava na altura de acabar o jogo. Mas a senhora Eulália acudiu novamente:
- Então, o que é isso? Não briguem, senão não lhes conto a história...
- Cantem a “Triste Viuvinha” – gritou a senhora Gertrudes, que se aproximava devagar, à procura de alguma conversa que lhe desse novidades fresquinhas. A senhora Gertrudes é muito bisbilhoteira...!
                 Foi boa ideia. Continuámos a roda, cantando:


                           “Olha a triste viuvinha
                             Que anda na roda a chorar.
                             Anda a ver se encontra noivo,
                             Para com ela casar.
                             
                             Já lá levas dois cabaços,
                             Três ou quatro hás-de levar
                             É bem feito, é bem feito
                             Não achares com quem casar.”


                 A viuvinha durou enquanto não houve outra briga.  O Eduardo puxou o rabo ao Pinotes, para o obrigar a ir para o meio da roda. O rafeiro ganiu, refugiando-se junto às pernas da Vera. Está claro que a Vera não ficou calada. Agarrou-lhe num braço do Fernando com toda a força e vá de lhe dar palmadas nas costas. Quisemos acudir, mas ainda foi pior. Em pouco tempo rebolávamos todos no chão.
                 Quem ficou contente com o acontecimento foi o Pinotes. Atirou-se para cima de nós, lambendo-nos a cara.  Tudo aquilo para ele era uma nova brincadeira, que não podia desperdiçar.
                 As vizinhas acorreram para nos separar.
- Pronto...pronto...então, que maneiras são estas...
- Sentem-se aqui ao pé de mim – pediu a senhora Eulália – Está na hora da história.
                  Como por milagre, a briga acabou. Corremos para a senhora Eulália e sentámo-nos no chão ao seu redor. O Pinotes aninhou-se ao meu lado metendo o focinho sobre as minhas pernas. E a história começou:

“Era uma vez uma velha, que tinha três netas. Duas eram surdas que nem uma porta e a mais velha era tão feia, tão feia, que até metia medo ao susto.  A própria avó não a deixava sair à rua porque tinha medo que as pessoas se assustassem com ela.
A velha pensava que a neta já tinha idade para se casar, mas quem quereria casar com uma rapariga horrorosa como ela?
Pensou, pensou, e por fim teve uma ideia.
Todas as manhãs passava por aquela rua um príncipe montado no seu cavalo branco. Era um jovem muito bonito, e principalmente era filho do rei. Naquela manhã, a velha estava à janela à espera de ver o príncipe dobrar a esquina montado no seu cavalo. Mal o viu, correu a buscar um alguidar com água, deitou-lhe um frasco de perfume dentro e quando o príncipe passava mesmo frente à porta, deitou a água para o chão da rua, ao mesmo tempo que dizia:
“A minha neta é tão linda, que até a água onde se lava cheira bem...”
O príncipe ouviu aquilo e ficou com curiosidade de saber quem era aquela beldade. Já há muito tempo que procurava noiva e talvez  a neta daquela velhota fosse digna de ser uma princesa.
Bateu à porta. A velha apareceu e ele pediu-lhe para ver a rapariga, ao que ela respondeu:
“Ai, meu príncipe é impossível ver agora a minha neta...A sua pele é tão delicada e sensível, que até a luz do dia lhe faz mal...Só poderá vê-la à noite. “
O príncipe ficou encantado. A rapariga deveria ser de uma beleza extraordinária. Começava a ficar apaixonado.
Quando chegou a noite foi novamente a casa da velha.
“Ai, meu príncipe, a noite está tão fresca e húmida... que estragará a pele da minha querida neta...”
Mas o príncipe não aguentava esperar mais e pediu-lhe:
“Protege a sua pele com um manto. Eu vou levá-la para o palácio e casarei com ela.”

- O príncipe era mesmo parvo – querer casar  com uma mulher sem lhe conhecer a cara... – disse a Ana, com as mãos em concha sobre o queixo.
- Shiiiuu!!

“A velha  assim fez. Vestiu à neta o vestido mais bonito que ela tinha e cobriu-lhe a cabeça com um véu.
Quando chegaram ao palácio o príncipe mandou-a destapar o rosto. Assustou-se quando olhou para ela.  Nunca tinha visto rapariga tão feia como aquela! Ficou furioso por ter sido enganado. E disse-lhe, tapando os olhos com as mãos:
“Para castigo, irás passar a noite na varanda do palácio, mas completamente despida. Toda a gente irá conhecer a tua fealdade.”

- Despida senhora Eulália!? – perguntei eu admirada. Não sei porquê tive a sensação que aquele pormenor era da autoria da senhora Eulália.

“E assim foi. O príncipe meteu a menina à varanda do palácio, despida. A noite estava gelada. Seria difícil resistir ao frio. A menina encostou-se a um canto da varanda e começou a chorar.
 Já a noite ia avançada, quando começou a ouvir uma música lindíssima. Olhou para baixo, para a rua.   Viu uma fada com a sua varinha de condão rodeada por lindas bailarinas,  de cabelos loiros. Apesar de toda aquela música e bailado a fada parecia triste.  Seguia devagarinho, de olhos postos no chão.  Encostou-se a uma árvore e olhou para o palácio. Vendo a menina, feia e nua na varanda não se pode conter e soltou uma grande gargalhada. As bailarinas pararam a dança e vendo a causa da alegria da fada, aproximaram-se da varanda e perguntaram à rapariga o que é que lhe tinha acontecido para ela estar naquela situação.
Depois de contar a sua desgraça, a fada aproximou a varinha de condão do pé da menina, que era a parte do corpo que estava mais próxima, e disse-lhe:
“Como recompensa de me teres feito rir ao fim de tantos anos, vou fadar-te: a partir deste momento serás a rapariga mais linda do reino e o príncipe casará contigo. Serão felizes para sempre!”
No dia seguinte,  o príncipe foi à varanda. Estava convencido que a menina tinha morrido. Mas qual não é o seu espanto ao deparar não com a feia horrível que ali tinha deixado na noite anterior, mas sim com uma rapariga de beleza sem par, linda como as flores do jardim. O seu coração bateu delirante. Aquela seria a princesa da sua vida. Não era preciso esperar mais. O casamento iria realizar-se imediatamente!
Passou-se algum tempo. Como tinha saudades da avó e das irmãs foi visitá-las. Quando as irmãs a viram, perguntaram admiradas:
“Ai, mana, que te fizeram!?”
E ela respondeu:
“Fadaram-me.”
As irmãs, como eram surdas, disseram admiradas:
“O quê? Esfolaram-te?”
“Não. Fadaram-me.”
“Ah, esfolaram-te...!
E foram a correr ao barbeiro mais próximo. Queriam que ele as esfolasse também.
E assim acabou a história”

              Gostámos.  Ficámos quietos, pensativos, a imaginarmos a história que tínhamos acabado de ouvir.
- Só não compreendo como é que a menina, depois de tudo o que o príncipe lhe fez, ainda casou com ele... – murmurou a Vera.
- Porque se apaixonou por ele. – respondeu o Lingrinhas.
- Apaixonar-se por um homem que a tratou tão mal!? – respondi eu, sem perceber aquele amor.
 - Não. Acho que casou com ele porque se tratava de um príncipe – alvitrou a Rita, com os cabelos pretos em pala sobre os olhos amendoados.
- O que importa é que foram muito felizes – rematou a senhora Eulália.
- Eu acho que a menina casou com o “plincipe” porque ele tinha um cavalo...
               A senhora Eulália soltou uma gargalhada:
 - Deves ter razão Rosinha.  Agora é que acertaste.... Vá, são horas de irem para a cama.
               Demos todos um beijinho na face ressequida da senhora Eulália. Desconfiei  ver nos seus olhos umas lágrimazitas teimosas.
                E partimos a cantar:

                         
                               “Rosa branca ao peito
                                A todos está bem
                                À senhora Eulália olaré
                                Melhor que a ninguém.
                                
                                 Melhor que a ninguém
                                 Por dentro ou por fora
                                 Quem sabe lá olaré
                                 Quem ela namora.

                                  Quem ela namora
                                  Quem ela namorou
                                  Ao chegar à roda olaré
                                  A mão lhe apertou.

                                  A mão lhe apertou,
                                  A mão lhe apertaria
                                  Ao chegar à roda olaré
                                  O que mais seria.

                                   O que mais seria
                                   O que mais será
                                   Esta canção olaré
                                   Vai acabar já.”

       
             O que me preocupa são as irmãs da menina. Será que o barbeiro as esfolou? Essa ideia faz-me rir. Estou a imaginar as meninas sentadas no banco do barbeiro  e ele de navalha em punho a esfolar-lhes o corpo, dizendo: “Isto não pode ser, vocês podem ter de ir para o hospital!...” ao que elas respondem: “Não faz mal senhor barbeiro. Isso dói mas queremos ser bonitas como a nossa irmã...”
- Teresa, são horas de descansares...Apaga a luz.
               É a minha avó. Pronto, vou descansar, mesmo não estando cansada.

                                                                                             Eugénia Edviges

Um grande XI-