O Sapo Malaquias
Na
Lagoa Azul viviam muitos sapos e sapinhos. O coaxar de todos eles ecoava pela
Lagoa Azul. A Lagoa era um paraíso para os sapinhos que por ali saltitavam de
pedra em pedra e de nenúfar em nenúfar. O sítio era maravilhoso. Todos se
sentiam felizes por terem um recanto apropriado para as suas brincadeiras.
Entre
os sapos distinguia-se um diferente dos outros. Mostrava-se sempre muito
pensativo e muito triste. Tinha sido um sapo muito brincalhão, sempre a
inventar jogos onde todos pudessem participar. Repartia com os companheiros os
insectos mais apetitosos e havia muita alegria quando estavam ao seu lado. Nessas
alturas, o sapo Malaquias sentia-se o rei da Lagoa Azul.
Mas algo acontecera. Malaquias
mudara muito. Deixou de fazer parte das brincadeiras. Isolava-se. Deixou de
prestar atenção a tudo o que o rodeava.
- Malaquias, vem para a água… - convidavam.
- Malaquias, anda fazer uma corrida nas pedras até ao
nenúfar…
-Malaquias, vamos jogar ao “engole insectos”…!
Malaquias não respondia. Ficava na
margem da Lagoa, entre os juncos, a suspirar.
Quando era pequeno a mãe lera-lhe a
história do Príncipe Sapo. E no fim dissera:
- Os sapos são muito conhecidos, meu filho. Como vês, são
falados nos livros de histórias. Toda a gente os conhece. Devias orgulhar-te de
teres nascido sapo.
Mas Malaquias sempre ouvira certas
frases que o magoavam muito, como por exemplo “os sapos são tão feios”, “feio
como um sapo”, “cara de sapo”, “bicho repelente” e por aí fora. Era demais! Por
isso mesmo, Malaquias queria ser como o sapo da história que a mãe contara.
Queria receber um beijo de uma princesa muito bonita e transformar-se num
esbelto príncipe de cabelo loiro.
E se conseguisse ser um príncipe haveria
de mudar de nome. Escolheria um nome que se adequasse ao seu estado de príncipe.
Sim, porque nenhum príncipe que se preze gosta de ter Malaquias por nome. Ma-la-qui-as! Horrível!
Os dias passavam e Malaquias não
sabia o que fazer para conseguir o que tanto desejava. Quem o poderia ajudar?
Quem poderia fazer alguma coisa para que isso acontecesse?
Os amigos desistiram de o convidar
para fazer parte nas brincadeiras. E Malaquias acabou por ficar só, sem amigos
e sem ter com quem falar. Passava os dias junto aos caniços. Mergulhava na
lagoa de vez em quando para a pele humedecer e poder assim respirar e como alimentação,
apenas algum insecto distraído que esvoaçasse junto dele.
Junto à lagoa havia um jardim com canteiros
repletos das mais variadas flores. Todas as tardes se enchia de gente que
aproveitava os bancos de madeira para descansar. Alguns liam o jornal. As
crianças corriam felizes entre os canteiros.
- Vou ao jardim. – Pensou Malaquias – Lá, encontrarei uma
princesa que me queira beijar.
Corajoso, saltitou até ao jardim.
Espreitou entre um canteiro de amores-perfeitos. No outro lado do canteiro
estava um grupo de jovens que conversava animadamente. Entre eles estava uma
menina de vestido cor-de-rosa e cabelo loiro preso por um laçarote.
- É uma princesa! – Pensou – Só pode ser uma princesa
porque está vestida de cor -de -rosa e é muito bonita! Finalmente, vou ser um
príncipe!
E saltou com alegria para o meio
dos jovens. Estes, ao verem o sapo Malaquias, fugiram assustados.
- Fujam! É um sapo, um sapo feio! Fujam!
- A menina fugiu de mim e não me beijou….não gostou de mim…-
pensou Malaquias muito triste.
E voltou para a lagoa. Os amigos
afastaram-se assim que o viram chegar.
- Vamos embora manos para aquela ponta da lagoa… - disse
um – o Malaquias vem aí e por certo vem aborrecido como sempre.
Malaquias notava que os amigos se
afastavam dele e começava a ficar triste com essa situação. Gostaria que os
amigos percebessem o seu sonho.
Entretanto os sapos e sapinhos continuavam
a divertir-se na Lagoa. Saltitavam sobre os nenúfares e jogavam o “engole
insectos”, um jogo que consistia em ver qual dos sapos apanhava mais insectos.
Riam-se muito com o jogo.
A rã Rosélia, que tinha sido mamã
há pouco tempo, mergulhava na água para olhar pelos girinos acabados de nascer.
Todos os sapos a cumprimentavam dando-lhe os parabéns por ter sido mamã. E
ofereciam-se para a ajudar a cuidar dos bebés.
Na rua a seguir ao jardim morava
uma feiticeira. As pessoas consultavam-na pelos mais variados problemas nas
suas vidas. Malaquias pensou:
- Na história que a mãe me contava, foi uma feiticeira que
transformou o príncipe em sapo. As feiticeiras têm poções mágicas. Ela vai
transformar-me em príncipe.
Sempre a saltitar atravessou o
jardim obrigando as pessoas a fugirem assustadas. A feiticeira tinha a porta de
casa aberta. Malaquias entrou cheio de esperança. Mais tarde sairia como um
belo príncipe.
Lá dentro estava muito escuro. A
sala estava apenas iluminada pela luz de duas velas enormes junto à parede. A
feiticeira cozinhava algo que estava ao lume.
- Pozinhos de pirlinpimpim… baba de camelo… picos de
ouriço…mexe,mexe,mexe…- Gritava a feiticeira enquanto mexia o caldeirão com uma
grande colher de pau.
Ao ver o sapo à entrada da porta de
olhos esbugalhados para ela, perguntou:
- Quem és tu?
- Sou…sou o sapo Malaquias.
- Tens consulta marcada?
- Consulta…?....N…não.
- O assunto que te trouxe à minha casa é muito urgente?
Malaquias pensou se seria,
realmente, urgente. Agora que estava tão perto de se tornar num príncipe
faltava-lhe a coragem. Ao ver aquele fumo escuro a sair do caldeirão, alastrando
pelo tecto da casa, começou a ficar amedrontado. Mas era urgente. Era urgente
porque se a feiticeira o transformasse em príncipe, todos os sapos da Lagoa
Azul quereriam brincar com ele novamente.
- Sim…é urgente.
- Então qual é o teu problema…
- Feiticeira, vim ter consigo porque há muito tempo que tenho
um grande desejo…e penso que só a senhora feiticeira o poderá realizar… Venho
pedir-lhe para me transformar num príncipe.
A feiticeira olhou admirada para
Malaquias. O sapo estava doidinho.
- Queres que eu te transforme num príncipe!? Achas que eu
tenho esse poder?
- Sim. Foi uma feiticeira que transformou um príncipe num
sapo…Portanto, poderá transformar-me num príncipe. Talvez com a poção mágica
que tem ao lume.
A feiticeira soltou uma gargalhada
enquanto dizia:
- Poção mágica!? Estás enganado! Estou a fazer uma pomada
para untar as minhas costas. Sabes, ando cheia de dores e não consigo dormir.
Malaquias teve vontade de chorar.
Aquela feiticeira não tinha poções mágicas. E dos seus olhitos vidrados saíram
umas lagrimazitas. Nunca seria um príncipe e, assim, os sapos da Lagoa Azul nunca
mais olhariam para ele.
- Eu sou feiticeira, porque me deram esse nome, mas não tenho
poderes sobrenaturais. Apenas faço pomadas e xaropes para alívio de certas
dores. – Ao ver que o sapo Malaquias continuava a chorar, acrescentou – Mas diz-me
o que te apoquenta. Talvez eu te possa ajudar.
Malaquias contou tudo tintim por
tintim: a história que a mãe lhe contava e como desejou a partir dessa altura
ser um príncipe. Disse-lhe que aquele desejo era tão grande que deixara de
conviver com os outros sapos da lagoa e que, por isso mesmo, sentia-se agora
ainda mais triste, porque estava a ser posto de parte pelos amigos.
- Com os amigos brincamos e sonhamos. Aos amigos podemos
confiar os nossos segredos mais íntimos… Sem eles estamos isolados de tudo. É
muito importante termos amigos na nossa vida. – Disse a feiticeira.
- Mas os sapos são feios…!
- A beleza está no que somos, nas atitudes que tomamos e
não na nossa aparência. Tenho a certeza que tu és um sapo com um bom coração e,
portanto, és um sapo bonito.
- Mas se eu fosse príncipe…como o da história…
- Sabes, não importa o aspecto mas aquilo que somos realmente.
Podes ser feio mas se fores bondoso todos gastarão de ti. Não julgues que os
príncipes são todos belos como nos livros de histórias. Há príncipes muito
feios e alguns, até, feios de rosto e de coração…
Malaquias ficou a pensar naquilo
que a feiticeira dissera. Por fim, acrescentou:
- Se eu fosse príncipe não poderia viver na Lagoa Azul…e
teria muitas saudades dos meus amigos…
- Tenho a certeza que todos eles são bonitos porque gostam
muito de ti e gostam de brincar contigo.
- Tens razão! A amizade é muito importante…Acho que não aguentaria
viver longe de todos os meus amigos… Vou para a Lagoa Azul!
- Espera um pouco. Não tenho pozinhos de perlimpimpim para
te trans- formar em príncipe, mas posso fazer com que fiques mais bonito de aparência.
Com um chapéu, uma gravata e uma casaca coloridas e uma bengala doirada ficarás
outro. Os teus amigos vão gostar de te ver.
Malaquias gostou da ideia.
Sorriu de contentamento ao mirar-se
no espelho que estava encostado à parede da sala. Na verdade estava muito mais
esbelto. Os amigos iriam ficar surpreendidos com a sua transformação. Sentia-se
o sapo mais feliz e mais vaidoso do mundo.
Na Lagoa Azul as brincadeiras
continuavam. Os sapos brincavam alegremente. Malaquias ficou a olhar, para eles,
enternecido.
Fez-se silêncio na Lagoa. Todos os
sapos e sapinhos olharam surpreendidos para Malaquias que estava todo
sorridente junto à margem e vestido como se fosse para uma festa. Pouco a pouco
foram-se aproximando com olhares de espanto.
- Malaquias, que te aconteceu?
-Estás tão bonito!
Malaquias contou a sua história.
Os sapos e sapinhos ficaram contentíssimos.
Ainda bem que a feiticeira soubera ajudar o Malaquias.
- Vamos jogar ao “engole insectos”? – perguntou Malaquias,
entusiasmado.
Malaquias já não queria ser
príncipe. Era o mesmo Malaquias de antigamente.
- Vamos brincar. Mas primeiro vou despir a minha fatiota
nova para não a estragar.
Os girinos exclamaram em coro:
- O tio Malaquias parece um príncipe!
Sim, era isso mesmo. Malaquias sentia-se um verdadeiro
príncipe por ter novamente os amigos para partilhar brincadeiras!
Eugénia Edviges
Eugénia Edviges
Um grande XI-
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