Na Rua do Pinheiro

quinta-feira, 19 de abril de 2012


A Festa dos Cravos


As flores do Jardim dos Cravos acordaram muito felizes naquele dia. A alegria era tanta que cantaram toda a manhã. E, para se tornarem ainda mais bonitos, os cravos lavaram as suas pétalas brilhantes com as gotas da chuva que caíra durante a noite.
Todos falavam ao mesmo tempo, em grande alvoroço, de uns canteiros para outros. Era tal a confusão que não se percebia nada do que diziam.
Os cravos mais jovens olhavam para tudo aquilo muito admirados. Que estaria para acontecer? Quala causa de tanta felicidade? Decerto não era a vinda do jardineiro, pois ele só
viria regar o jardim no primeiro dia da semana… e ainda era sábado!
Que estranho!
Foi então que o Cravinho Curioso dirigindo-se ao Cravo Mais Velho do Canteiro do Lado, perguntou:
- Vizinho, qual o motivo de tanta agitação? Que está para acontecer?
- Sabes, meu filho, – respondeu o Cravo Mais Velho do Canteiro do Lado – vamos comemorar o dia de hoje.
- Vão comemorar o dia de hoje! E porquê? – Perguntou o Cravinho Meio Escondido Entre Todos os Outros.
- Porque hoje é dia 25 de Abril!
- 25 de Abril!? E depois? O que é que isso tem? - Responderam os cravinhos todos ao mesmo tempo.
- Porque há muitos anos, no dia 25 de Abril, as pessoas conquistaram a liberdade!
Cravinho Rebelde afirmou enfadado:
- Mas que grande acontecimento…! As pessoas conquistaram a liberdade! E porque é que temos de nos meter na vida das pessoas? Somos uns simples cravos! Não temos nada com essa liberdade, ora essa!
- Estás enganado meu filho. Nós, cravos, também participámos na conquista da liberdade das pessoas…
Os cravinhos estavam cada vez mais surpreendidos. Podia lá ser! Como é que os cravos podiam interferir na vida das pessoas? Decididamente, os cravos mais velhos daquele jardim estavam todos malucos!
- Eu sei que é difícil compreenderem… vou contar-lhes a história desde o princípio. Oiçam com atenção.
Os cravinhos ajeitaram-se ao lado uns dos outros para ouvirem melhor. Que maravilha! Uma história!
E o Cravo Mais Velho do Canteiro do Lado começou assim:
- Portugal, como todos vocês sabem, é um país muito bonito: é quase todo rodeado por mar e, por isso mesmo, possui maravilhosas praias de areia fina e doirada; o clima é ameno, o céu mantém-se azul durante quase todo o ano e o sol brilha com grande intensidade; tem campos verdejantes, serras e montes por onde correm rios que cantam, serpenteando entre as pedras. Mas, há muitos anos, apesar de toda a beleza de Portugal, as pessoas não eram felizes. Viviam muito, muito tristes, porque lhes faltava algo muito importante…
- O quê? Que lhes faltava? – Inquiriu o Cravinho Curioso.
Aposto que não tinham a tal liberdade. – Disse o Cravinho Rebelde – não podiam vir à rua e agora já podem…
- Também não podiam ir à praia…? – Murmurou o Cravinho MeioEscondido Entre Todos os Outros.
- Sim, podiam ir à praia e podiam ir à rua, mas a liberdade não é apenas isso… – continuou o Cravo Mais Velho do Canteiro do Lado – a liberdade que as pessoas queriam estava nas mãos dos Homens Maus.
- Homens Maus!!! – Gritaram os cravinhos surpreendidos. Até o Cravinho Meio Escondido Entre Todos os Outros tentou esconder-se ainda mais.
- Os Homens Maus eram os governantes de Portugal. Governantes que subiram ao poder sem pedirem a opinião de ninguém, isto é, sem ninguém votar neles. Naquele tempo, os Homens Maus controlavam o país.
Os cravinhos estavam cada vez mais admirados. Que história impressionante!
- Quando os Homens Maus subiram ao poder criaram leis que aterrorizavam toda a gente. Era grande a amargura das pessoas.
- Conta, conta! – Pediram os cravinhos, intrigados.
- Proibiram as crianças de brincarem umas com as outras. Na escola, os meninos iam para uma sala e as meninas iam para outra. E foram feitos altos muros a dividir o pátio da escola.
- O quê?! No recreio também não brincavam juntos?
- Não. Era proibido. E na escola tinham de usar roupa igual, todos usavam uma bata da mesma cor. E o pior de tudo acontecia quando os rapazes cresciam…
Os cravinhos estavam suspensos das palavras do Cravo Mais Velho do Canteiro do Lado.
- Quando cresciam, os governantes obrigavam os jovens a irem para a guerra, e a matarem as pessoas que viviam em países do outro lado do mar. Era uma guerra que eles não compreendiam. Muitos morreram e os que voltavam ao fim de dois ou três anos, voltavam doentes, alguns até, aleijados.
Os cravinhos ficaram pensativos ao ouvirem aquilo. Aquela história era, na verdade, aterradora.
- Mas não acaba aqui a maldade dos Homens Maus!... Só eram publicados os livros, as revistas e os jornais, depois de serem lidos pelos ajudantes deles. O mesmo se passava com os filmes, as musicas e as peças de teatro. Tudo quanto se relacionasse com a educação e que não fosse aprovado por eles era considerado proibido.
- Isso é que era bom! – Ripostou o Cravinho Rebelde – Se fosse comigo, eu só veria aquilo que gostasse! Ninguém me obrigaria a ver outra coisa!
- Eu – acrescentou a medo o Cravinho Meio Escondido Entre Todos os Outros – iria fazer queixa à polícia…
- Os Homens Maus pagariam uma multa… para aprenderem – disse o Cravinho Curioso – como aconteceu a semana passada com o senhor da sapataria, que estacionou o carro em cima do passeio, mesmo frente ao nosso jardim…
- Ninguém falava, ninguém se queixava. Aliás, até tinham medo de falar. – Continuou o Cravo Mais Velho do Canteiro do Lado.
-Tinham medo de falar! Que horror! Porquê?
- Porque naquele tempo, além dos polícias das multas, como o Cravinho Curioso referiu, também havia outros polícias, que andavam disfarçados, ninguém os conhecia. Eram os Vigilantes dos Homens Maus. Misturavam-se com as pessoas por todo o lado: nos cafés, nos cinemas, nos mercados, nas ruas…
- Porque é que andavam disfarçados? – Perguntou o Cravinho Curioso.
- Para ninguém saber que eram Vigilantes. E quando apanhavam alguém a dizer mal dos Homens Maus ou a ler alguma coisa proibida, levavam-no para a prisão e batiam-lhe até a pessoa só dizer aquilo que eles queriam. Muitas vezes as pessoas eram sujeitas a grandes torturas na prisão.
- Malvados! – Disse colérico o Cravinho Rebelde.
- Por tudo isto, as pessoas viviam amedrontadassem alegria de viver. – Continuou o Cravo MaisVelho do Canteiro do Lado – Temiam falar umas com as outras, sempre receosas de serem apanhadas pelos Vigilantes.
Cravinho Rebelde lembrou:
- Fariam melhor se fugissem…
- Impossível. Até nas fronteiras havia Vigilantes.
Os cravinhos ficaram pensativos. Aquilo deixava-os cheios de pena das crianças e adultos daquele tempo.
- Agora compreendo porque é que a liberdade não é só ir à praia e andar na rua… – sussurrou o Cravinho Meio Escondido Entre Todos os Outros.
- Mas ainda não contaste como é que os cravos ajudaram as pessoas a adquirir a liberdade. – Disse oCravinho Curioso.
- Aconteceu o seguinte: alguns soldados, revoltados com tudo o que se estava a passar, pensaram em tirar os governantes do poder. Organizaram tudo secretamente e no dia 25 de Abril de 1974 pegaram em armas e marcharam contra os Homens Maus. As pessoas olharam por trás dos vidros das janelas e pelas aberturas das portas para verem o que iria acontecer. Com os corações em alvoroço decidiram sair todos para a rua. E foi então que começaram a distribuir cravos vermelhos pelos soldados que os colocaram nos canos das espingardas.
Viva! – Gritou o Cravinho Rebelde – Fomos famosos!
- Todos juntos obrigaram os Homens Maus a fugirem do país. E durante aquele dia festejaram a liberdade conquistada de cravos vermelhos ao peito e bandeiras nas mãos; falaram alegremente sobre tudo e muitos choraram de alegria; sem receio, abriram as portas das prisões para os presos saírem e mandaram vir para junto das famílias os jovens que estavam na guerra; pelas ruas e ladeiras, pelos becos e pelos largos as vozes juntavam-se num só grito: “Viva a liberdade!” “Viva a liberdade!
Os cravinhos estavam emocionados. Sentiam-se vaidosos por saberem que os cravos tinham participado naquela aventura tão bonita.
- E sabem qual o nome que as pessoas dão à revolução de Abril?
- Qual? Qual? – Perguntaram os cravinhos, ansiosos.
- Revolução dos Cravos!
- Ena! Ena! Que maravilha! Uma revolução com o nosso nome!
- É por tudo isto que todos os anos, no dia 25 de Abril, as pessoas põem cravos ao peito e saem para a rua a festejar a liberdade que conquistaram. – Concluiu o Cravo Mais Velho do Canteiro do Lado - E tanto os pais como os professores contam às crianças o que aconteceu naquele dia maravilhoso da Revolução dos Cravos.
- Viva a liberdade! – Gritaram com alegria todos os cravinhos.
- Vou preparar-me para a festa! – Disse o Cravinho Rebelde.
- Eu também! Quero estar bonito, quando me vierem buscar! – Acrescentou o Cravinho Curioso.
- Posso ir com vocês…? – Perguntou o Cravinho Meio Escondido Entre Todos os Outros.


                                                                                  Eugénia Edviges

Um grande xi-coração

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