Aqui vai a publicação do III Capítulo das histórias da Rua do Pinheiro.
As ilustrações são....são....claro! do Zé Lima!
A história tradicional já a publiquei no blogue.Portanto, já a conhecem, mas é sempre bom reler.
E melhorou! Hoje,
depois de falarmos sobre o teste de Ciências, que correu mal a todos, e nos
preparávamos para ir jogar ao Lenço, eis que a senhora Eulália, surgiu à porta
da rua. A filha seguia-a, segurando uma cadeira para se sentar. Como sempre,
muito bem arranjada, com a sua saia preta, franzida, sem um vinco. No alto da
cabeça o tradicional lenço, atado ao pescoço.
Corremos ao seu
encontro, loucos de alegria.
- Ó vizinha, o seu neto está longe,
mas rapazes pequenos não lhe
falta... Gostam mesmo de si... – referiu a
senhora Amélia, sentada à porta da sua casa. Dobrava roupa que tinha acabado de
apanhar do estendal.
A senhora Eulália
riu-se, mostrando a boca sem dentes.
- Vocês já jantaram? – perguntou – Já
passa das nove...
Está claro que já tínhamos
jantado. Só vamos brincar para a rua depois da barriga cheia.
- “Quelemos” uma “histólia” “senhola” Eulália... – pediu a Rosita dando
saltinhos no chão.
- Sim, eu não me importo de lhes
contar uma história, mas primeiro vou descansar um pouco, vendo-os brincar...
E fomos brincar ao “Lenço”, como
estava previsto.
Eu vou explicar como é.
Fazemos uma roda, dando as mãos
uns aos outros. Um, fica de fora segurando um lenço na mão (a senhora Eulália
empresta-nos sempre o dela). O que fica de fora, corre ao redor dos outros,
gritando:
“Aqui vai o lenço, aqui fica o lenço,
Aqui vai o lenço,
aqui fica o lenço...”
Quando quiser, o que leva o
lenço, deixa-o cair no chão, atrás de um
dos que estão na roda. Se depois de dar uma volta completa, o que tem o lenço
atrás de si não o vir caído no chão, o dono do lenço empurra-o para o centro da
roda para ficar de “castigo”. Se pelo contrário ele descobrir o lenço, agarra-o
e continua o novo possuidor do lenço a correr ao redor, enquanto o colega vai
para o lugar dele. Por isso mesmo, todos os que estão na roda, têm que estar
sempre a olhar para trás, mas através das pernas, que se mantém abertas.
É um jogo muito fixe! Rimo-nos a
valer, quando algum é apanhado e vai para o centro de “castigo”. A senhora
Eulália, quando vê que fazemos algo mal feito, explica-nos como devemos
fazer... Aliás, ela é que nos ensinou todas as brincadeiras que sabemos!
Hoje, ficaram de “castigo” o
Eduardo, o Fernando e a Rita.
Quem ficou mais tempo com o
lenço foi o Lingrinhas. Como é magrinho, corre mais depressa e consegue apanhar
o lenço, antes do que irá ser castigado. Está claro que o Fernando, que tem a
mania do contra, fartou-se de gritar: “És um “granda” batoteiro! Assim não
vale...”
- Não é “granda”é “grande” – respondi
eu.
- Não é “granda”, não é “granda”...
Falou a Dona Teresa Espertalhona.
Estava na altura de acabar o
jogo. Mas a senhora Eulália acudiu novamente:
- Então, o que é isso? Não briguem,
senão não lhes conto a história...
- Cantem a “Triste Viuvinha” – gritou
a senhora Gertrudes, que se aproximava devagar, à procura de alguma conversa
que lhe desse novidades fresquinhas. A senhora Gertrudes é muito
bisbilhoteira...!
Foi boa ideia. Continuámos a
roda, cantando:
“Olha a triste
viuvinha
Que anda na roda a
chorar.
Anda a ver se
encontra noivo,
Para com ela
casar.
Já lá levas dois
cabaços,
Três ou quatro
hás-de levar
É bem feito, é bem
feito
Não achares com
quem casar.”
A viuvinha durou
enquanto não houve outra briga. O
Eduardo puxou o rabo ao Pinotes, para o obrigar a ir para o meio da roda. O
rafeiro ganiu, refugiando-se junto às pernas da Vera. Está claro que a Vera não
ficou calada. Agarrou-lhe num braço do Fernando com toda a força e vá de lhe
dar palmadas nas costas. Quisemos acudir, mas ainda foi pior. Em pouco tempo
rebolávamos todos no chão.
Quem ficou contente com o
acontecimento foi o Pinotes. Atirou-se para cima de nós, lambendo-nos a
cara. Tudo aquilo para ele era uma nova
brincadeira, que não podia desperdiçar.
As vizinhas acorreram para nos
separar.
- Pronto...pronto...então, que
maneiras são estas...
- Sentem-se aqui ao pé de mim – pediu
a senhora Eulália – Está na hora da história.
Como por milagre, a briga
acabou. Corremos para a senhora Eulália e sentámo-nos no chão ao seu redor. O
Pinotes aninhou-se ao meu lado metendo o focinho sobre as minhas pernas. E a
história começou:
“Era uma vez uma velha, que tinha três
netas. Duas eram surdas que nem uma porta e a mais velha era tão feia, tão
feia, que até metia medo ao susto. A
própria avó não a deixava sair à rua porque tinha medo que as pessoas se assustassem
com ela.
A velha pensava que a neta já tinha
idade para se casar, mas quem quereria casar com uma rapariga horrorosa como
ela?
Pensou, pensou, e por fim teve uma
ideia.
Todas as manhãs passava por aquela rua
um príncipe montado no seu cavalo branco. Era um jovem muito bonito, e
principalmente era filho do rei. Naquela manhã, a velha estava à janela à
espera de ver o príncipe dobrar a esquina montado no seu cavalo. Mal o viu,
correu a buscar um alguidar com água, deitou-lhe um frasco de perfume dentro e
quando o príncipe passava mesmo frente à porta, deitou a água para o chão da
rua, ao mesmo tempo que dizia:
“A minha neta é tão linda, que até a
água onde se lava cheira bem...”
O príncipe ouviu aquilo e ficou com
curiosidade de saber quem era aquela beldade. Já há muito tempo que procurava noiva
e talvez a neta daquela velhota fosse
digna de ser uma princesa.
Bateu à porta. A velha apareceu e ele
pediu-lhe para ver a rapariga, ao que ela respondeu:
“Ai, meu príncipe é impossível ver
agora a minha neta...A sua pele é tão delicada e sensível, que até a luz do dia
lhe faz mal...Só poderá vê-la à noite. “
O príncipe ficou encantado. A rapariga
deveria ser de uma beleza extraordinária. Começava a ficar apaixonado.
Quando chegou a noite foi novamente a
casa da velha.
“Ai, meu príncipe, a noite está tão
fresca e húmida... que estragará a pele da minha querida neta...”
Mas o príncipe não aguentava esperar
mais e pediu-lhe:
“Protege a sua pele com um manto. Eu
vou levá-la para o palácio e casarei com ela.”
- O príncipe era mesmo parvo – querer
casar com uma mulher sem lhe conhecer a
cara... – disse a Ana, com as mãos em concha sobre o queixo.
- Shiiiuu!!
“A velha assim fez. Vestiu à neta o vestido mais
bonito que ela tinha e cobriu-lhe a cabeça com um véu.
Quando chegaram ao palácio o príncipe
mandou-a destapar o rosto. Assustou-se quando olhou para ela. Nunca tinha visto rapariga tão feia como
aquela! Ficou furioso por ter sido enganado. E disse-lhe, tapando os olhos com
as mãos:
“Para castigo, irás passar a noite na
varanda do palácio, mas completamente despida. Toda a gente irá conhecer a tua
fealdade.”
- Despida senhora Eulália!? –
perguntei eu admirada. Não sei porquê tive a sensação que aquele pormenor era
da autoria da senhora Eulália.
“E assim foi. O príncipe meteu a
menina à varanda do palácio, despida. A noite estava gelada. Seria difícil
resistir ao frio. A menina encostou-se a um canto da varanda e começou a
chorar.
Já a noite ia avançada, quando começou a ouvir
uma música lindíssima. Olhou para baixo, para a rua. Viu uma fada com a sua varinha de condão
rodeada por lindas bailarinas, de
cabelos loiros. Apesar de toda aquela música e bailado a fada parecia
triste. Seguia devagarinho, de olhos
postos no chão. Encostou-se a uma árvore
e olhou para o palácio. Vendo a menina, feia e nua na varanda não se pode
conter e soltou uma grande gargalhada. As bailarinas pararam a dança e vendo a
causa da alegria da fada, aproximaram-se da varanda e perguntaram à rapariga o
que é que lhe tinha acontecido para ela estar naquela situação.
Depois de contar a sua desgraça, a
fada aproximou a varinha de condão do pé da menina, que era a parte do corpo
que estava mais próxima, e disse-lhe:
“Como recompensa de me teres feito rir
ao fim de tantos anos, vou fadar-te: a partir deste momento serás a rapariga
mais linda do reino e o príncipe casará contigo. Serão felizes para sempre!”
No dia seguinte, o príncipe foi à varanda. Estava convencido
que a menina tinha morrido. Mas qual não é o seu espanto ao deparar não com a
feia horrível que ali tinha deixado na noite anterior, mas sim com uma rapariga
de beleza sem par, linda como as flores do jardim. O seu coração bateu
delirante. Aquela seria a princesa da sua vida. Não era preciso esperar mais. O
casamento iria realizar-se imediatamente!
Passou-se algum tempo. Como tinha
saudades da avó e das irmãs foi visitá-las. Quando as irmãs a viram,
perguntaram admiradas:
“Ai, mana, que te fizeram!?”
E ela respondeu:
“Fadaram-me.”
As irmãs, como eram surdas, disseram
admiradas:
“O quê? Esfolaram-te?”
“Não. Fadaram-me.”
“Ah, esfolaram-te...!
E foram a correr ao barbeiro mais
próximo. Queriam que ele as esfolasse também.
E assim acabou a história”
Gostámos. Ficámos quietos, pensativos, a imaginarmos a
história que tínhamos acabado de ouvir.
- Só não compreendo como é que a
menina, depois de tudo o que o príncipe lhe fez, ainda casou com ele... –
murmurou a Vera.
- Porque se apaixonou por ele. –
respondeu o Lingrinhas.
- Apaixonar-se por um homem que a
tratou tão mal!? – respondi eu, sem perceber aquele amor.
- Não. Acho que casou com ele porque se
tratava de um príncipe – alvitrou a Rita, com os cabelos pretos em pala sobre
os olhos amendoados.
- O que importa é que foram muito
felizes – rematou a senhora Eulália.
- Eu acho que a menina casou com o
“plincipe” porque ele tinha um cavalo...
A senhora Eulália soltou uma
gargalhada:
- Deves ter razão Rosinha. Agora é que acertaste.... Vá, são horas de
irem para a cama.
Demos todos um beijinho na face
ressequida da senhora Eulália. Desconfiei
ver nos seus olhos umas lágrimazitas teimosas.
E partimos a cantar:
“Rosa branca ao
peito
A todos está bem
À senhora
Eulália olaré
Melhor que a
ninguém.
Melhor que a
ninguém
Por dentro ou
por fora
Quem sabe lá
olaré
Quem ela
namora.
Quem ela
namora
Quem ela
namorou
Ao chegar à
roda olaré
A mão lhe
apertou.
A mão lhe
apertou,
A mão lhe
apertaria
Ao chegar à
roda olaré
O que mais seria.
O que mais
seria
O que mais
será
Esta canção
olaré
Vai acabar
já.”
O que me preocupa são as irmãs da
menina. Será que o barbeiro as esfolou? Essa ideia faz-me rir. Estou a imaginar
as meninas sentadas no banco do barbeiro
e ele de navalha em punho a esfolar-lhes o corpo, dizendo: “Isto não
pode ser, vocês podem ter de ir para o hospital!...” ao que elas respondem:
“Não faz mal senhor barbeiro. Isso dói mas queremos ser bonitas como a nossa
irmã...”
- Teresa, são horas de
descansares...Apaga a luz.
É a minha avó. Pronto, vou
descansar, mesmo não estando cansada.
Eugénia Edviges
Um grande XI-
Eugénia Edviges
Um grande XI-
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