Na Rua do Pinheiro

sábado, 20 de novembro de 2010

O Menino dos Olhos - Mar

Eram lindos os seus olhos. Todos diziam que eram os mais bonitos da aldeia. Porquê? Talvez por a aldeia ser muito pequena e ter poucos habitantes! Talvez por aquela gente sempre ter vivido entre montes e pinheiros! Talvez por ninguém na aldeia ter visto o mar! Sabiam apenas que o mar é azul, de um azul da cor do céu quando não tem nuvens! E ao menino, por ter nascido com os olhos claros, transparentes, bem depressa foi esquecido o seu verdadeiro nome. Assim, habituou-se aquela alcunha que a bem dizer o envaidecia. Era uma alcunha serena, musical e com muita, muita ternura: Menino dos Olhos-Mar...
E o Menino dos Olhos-Mar, de tanto ouvir falar do mar, desse mar que ele nunca vira, foi acalentando dentro de si o desejo de o ver. E com isso sonhava dia após dia, noite após noite. Sonhava nas marés do sono e sonhava quando, acordado imaginava esse mar imenso de um azul sem fim. Subiu aos montes mais altos, às mais altas árvores da floresta na esperança de vislumbrar ao longe esse azul profundo, da cor dos seus olhos. Queria alcançar o infinito que sentia dentro do olhar e lhe tocava o coração. Mas por mais que perscrutasse o horizonte só o verde o envolvia, o verde dos vales, dos campos, da serra e, no cimo, bem alto sobre a sua cabeça, o azul inacessível mas que todos podem admirar, do céu, do céu que nada tinha a ver com os seus olhos pois os seus olhos eram Olhos-Mar.
E o Menino dos Olhos-Mar entristeceu. E no rio que corria a seus pés o Menino dos Olhos-Mar lavou as suas gotas de mar, que choravam.
- Rio, tu que vais para o mar leva-me nas tuas águas...
- Impossível – respondeu o Rio- Vou para o mar e não volto. Vou juntar-me a ele. As minhas águas, que correm cadenciadas, juntar-se-ão às suas ondas revoltas... e nunca mais me verás…Adeus...
E o Menino dos Olhos-Mar chorou, chorou muito na certeza de nunca poder ver o mar.
E passaram dias e noites. E o Menino dos Olhos-Mar continuava a chorar.
Uma andorinha poisou. Bebeu uma lágrima caída dos olhos do Menino dos Olhos-Mar.
- Leva-me no teu dorso, andorinha. Leva-me a ver o mar.
- Impossível! O Verão está a findar e se não me for embora, morrerei. Nada me deterá, nem mesmo o teu desejo de ver o mar. Adeus Menino dos Olhos-Mar!
E vieram as tempestades. A neve caiu como bolas de algodão a esvoaçar. O frio penetrou no coração do Menino dos Olhos-Mar, que continuava a chorar junto ao rio parado, cujas águas gelaram.
- Leva-me Rio, leva-me ao meu mar...
- Não posso. O mar é longe e eu espero o degelo...
O Menino pensou na canção que ouvia às camponesas nas tardes de calor:

É tão imensa a saudade,
Tão profundo o sentimento
Que para ver o meu amor
Irei nas asas do vento.

Sim. Se pudesse ir nas asas do vento! Derradeira esperança... Sim! Queria ir nas asas do vento!
- Ó Vento, leva-me a ver o mar... Leva-me a ver o mar...
- Sim, porque não! Eu posso o que tu quiseres. Anda, sobe para as minhas asas. Formarei um grande vendaval para facilitar a jornada.
Loucura! O Menino dos Olhos- Mar não acreditava no que ouvia! Finalmente!
E subiu nas asas do vento. Subiu, subiu como um balão! Saudou as nuvens cinzentas, sempre sós. Uma delas chorava de tristeza.
E o rio da aldeia tornou-se um fio prateado muito fino, igual ao que o Menino dos Olhos- Mar usava para fazer girar o pião. E as árvores eram rebentos.
E as casas, a igreja e a ponte velha eram brinquedos.
O vento galgava as montanhas que parecia curvarem-se ante o seu poder.
Muito tempo passou.
O sol surgiu por trás de qualquer coisa que o Menino dos Olhos-Mar nunca vira nem sequer imaginara. Extasiado, olhava aquela imensidão de azul, tela de pintor imaginário. Sim, de pintor imaginário ou de Deus desconhecido.
- É aquilo o mar? – Perguntou ao vento, que não o ouvia na ânsia de se juntar às ondas revoltas e com elas lutar.
- É aquilo o mar? – Repetiu o Menino, feliz.
E o vento galopou sobre as ondas. E inebriado o Menino dos Olhos-Mar sentiu o azul a rodear o seu corpo, o seu cabelo e os seus olhos da cor do mar. E o seu mundo era azul.
Na manhã seguinte, quando os pescadores arrastavam as redes para a praia distinguiram aquele vulto pequenino, estendido sobre a areia molhada. Tinha o corpo coberto de conchas de variados contrastes. Os lábios, entreabertos, sorriam de felicidade. Mantinha os olhos abertos, sem vida, e em deslumbramento.
Mas o que mais espantou aqueles homens rudes foi a cor dos seus olhos, de um azul inigualável!
- O Deus do Mar! Sussurrou um.
E ajoelharam, fitando os olhos do Menino dos Olhos-Mar...


                                                                                    Eugénia Edviges

Um grande xi-coração



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