Na Rua do Pinheiro

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

A Mochila do André



A mochila do André estava sempre desarrumada. Lá dentro, como devem calcular, tinha todo o material que fora comprar com a mãe à papelaria do senhor Abel. O senhor Abel era um velhote simpático, de olhos pequeninos por trás de uns óculos com lentes muito grossas. Tinha sempre uma pequena lembrança para dar às crianças. Até já oferecera ao André dois livros do Pateta. Por toda a loja amontoavam-se os livros e os cadernos e em cima do balcão todo o tipo de lápis e canetas.
Compraram:
lápis de cor,
sem cor e
canetas de feltro,
uma esponja,
um bico esquisito,
um frasco de cola,
uma tesoura sem bicos,
papel celofane, vegetal e de cartão,
uma borracha,
cadernos com linhas, sem linhas e aos quadradinhos,
um afia lápis,
um livro para ler, outro para escrever,
mais dois ou três para aprender coisas com nomes estranhos,
um estojo com o desenho do Rato Mickey,
uma esferográfica azul, outra preta e ainda uma outra vermelha,
uma régua de plástico.
Uff! Todo aquele material trazia André na mochila vermelha e na mais terrível desarrumação que se possa imaginar!
A mãe estava sempre a chamar-lhe a atenção para a necessidade de limpar e organizar a mochila.
- André, mete os lápis de cor na caixinha…
- André, desdobra as folhas do livro de leitura…
-André, as aparas dos lápis são para o lixo e não para o fundo da mochila…
-André, põe as tampas nas canetas e no frasco de cola...tens os cadernos todos riscados e a pegarem-se aos dedos…
Mas qual quê! André gostava muito mais de rasgar as folhas do caderno e com elas fazer chapéus, barcos e aviões a jacto que depois iam aterrar no fundo da mochila. Achava muita graça ao facto dos cadernos se pegarem aos dedos e não caírem. Com vaidade mostrava essa magia aos amigos.
Naquela noite, depois de o André adormecer, algo de extraordinário aconteceu. A luz do luar entrava pela janela e batia suavemente na mochila aberta sobre a cama.
Começaram a ouvir-se vozes tão fininhas que mais pareciam vozes de duendes ou de anõezinhos. André acordou com o ruído. De início pensou que seria o ruído da televisão na sala ao lado. Mas não. As vozes estavam bem perto de si, parece até que vinham de dentro da mochila! Olhou para a mochila e o que viu fez com que abrisse os olhos de espanto. Todo o material saía de dentro dela, numa grande aflição. Os lápis e as canetas atropelavam-se na bolsa pequenina, dando gritinhos nervosos.
- Temos de sair daqui. - Dizia uma caneta de feltro amarela enquanto saía por uma das fivelas.
- Eu não consigo dormir! É impossível! – Queixava-se a borracha escorregando para fora da mochila pelo papel celofane.
- É demais! – Gritava a esferográfica azul – Onde está a minha tampa?
- Está ali a agarrar-se ao lápis de cor verde para sair – respondeu a esferográfica preta.
- Não, não. Aquela tampa não é minha é da esferográfica vermelha.
O tubo de cola tentava escorregar pela régua de plástico, mas por mais que se esforçasse não arredava do mesmo sítio.
- Quero sair! Quero sair! – Gritava
- Como queres sair se escorres cola por todos os lados? Tens de descobrir a tua tampa.
- Como a vou encontrar neste labirinto!

 O André esfregou os olhos. Estaria a sonhar? Não, não era um sonho porque tinha os olhos bem abertos!
- Quem s…são vo…vocês…?
- Eu sou a Borracha Dançarina – respondeu a borracha, zangada – mas devia mudar o nome para Borracha Pastosa pois esqueceste-te de fechar o tubo de cola e escorreguei nela, ficando toda peganhenta… Olha bem para o meu aspecto. Já nem posso apagar os riscos que fazes nos cadernos!
- Eu sou o Lápis Bicudo! Ou por outra, fui um lápis bicudo pois tu já não me afias o bico há muito tempo – respondeu um dos lápis de cor a chorar.
- Eu chamo-me Caneta Perneta… - Vê bem a minha sina. Era uma caneta tão jeitosa e tu não descansaste enquanto não partiste a carga.
- Eu sou o Caderno Sabichão, e só não sou sabichão porque tu nada escreves nas minhas folhas, só as rasgas para fazeres bonecos de papel que depois deixas espalhados no fundo da mochila.
- Eu sou a Régua Atleta. Mas o meu corpo escultural está todo peganhento aqui do Senhor Tubo de Cola.
- Eu sou o Afia Redondinho. Deixaste dentro de mim o resto do bico do Lápis Bicudo e agora não consigo trabalhar mais.
- Temos aguentado tudo – tornou a dizer a Borracha Dançarina – mas o que nos fizeste hoje foi terrível! Temos todos de sair daqui o mais depressa possível! Não aguentamos mais.
- O que foi que eu fiz? – Perguntou André aturdido com tudo o que se estava a passar.
- Não sabes? Procura bem e verás!
- Cheira-te bem?
- Não sentes agonias?
- Estás com o cheiro apurado?
- Há quanto tempo não olhas para dentro da mochila?
Na manhã seguinte André acordou com uma sensação esquisita. O sonho que tivera dava que pensar. Nunca tivera um sonho que lhe parecesse tão real.
Correu para a mochila e abriu-a. De dentro vinha um cheiro horrível que lhe deu volta ao estômago. Apertou o nariz com força. Sentiu-se estonteado, não percebendo o que se passava. Olhou para dentro da mochila fazendo um esforço enorme para aguentar aquele cheiro. Oh! Tinha-se esquecido de deitar para o lixo o resto da sandes de carne, com queijo e maionese! Levara aquela sandes para a escola uns dias antes, não sabia precisar quantos. A carne e o queijo estavam cheios de bolor e a maionese mostrava uma pasta amarelo-acastanhada, nauseabunda. O pão endurecera e as suas migalhas espalhavam-se por todo o material escolar.

O André lembrou-se do sonho que tivera. O Lápis Bicudo, a Borracha Dançarina e todos os outros deveriam ter passado um mau bocado com aquele cheirete.
Chegara a altura de organizar tudo convenientemente dentro da mochila. Tudo limpo e arrumado.
A partir daquele dia, a mochila do André nem parecia a mesma. Os lápis afiadinhos pelo Afia Redondinho, depois de lhe ter tirado o bico partido, que tinha ficado esquecido. As canetas sempre cobertas com as tampas respectivas. O tubo de cola nunca mais se pegou aos dedos, aos cadernos e à Régua Atleta. Enfim, tudo tão arrumadinho e limpo que a Borracha Dançarina passava os dias a dançar dentro da mochila.

                                                                              Eugénia Edviges

Um grande xi - coração

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